quarta-feira, 9 de junho de 2021

três castiçais

Pelejei... tô pelejando
Como um gavião no ar 

Pelejamos na Jurema porque somos fortes como um gavião
Somos fortes porque temos sementes plantadas em nosso corpo 

Três velas acesas
Três castiçais 
Três moças de branco são três generais 

As três guardiãs
As três Marias
As que desceram ao sepulcro de Jesus
Acompanhando Maria 

Elas levam os três castiçais
Elas queimam mirar
Elas purificam a casa 

Maria de Cleófas, tia de Jesus, irmã de Maria. Abrigou Maria após a morte de José. É a Maria do acolhimento. Seu dia é 9 de abril. 

Maria de Magdala, a que acompanhou Jesus e depois a Maria. É a Maria que acolhe os arrependidos e os cura com uma pomada de mirra. Segura o segundo castiçal. Seu dia é 22 de julho. 

Maria Salomé, a que alimentava os Discípulos que seguiam Jesus. Na Jurema, reza para que a semente plantada em nosso corpo frutifique. É a que carrega o terceiro castiçal. Seu dia é 22 de outubro. 

A beleza da Jurema é resignificar as coisas do Catolicismo popular sem precisar ser católico para isso. A própria Igreja Católica não vê com bons olhos o catolicismo popular, porque acreditam estar cheios de heresias, de superstição e influências pagãs e que foge das tradições dogmáticas. 

O Juremeiro celebra essas três datas limpando a casa benzendo todos os cantos, em seguida soprando a "mistura" de cheiro em todos os quatro cantos de cada vão,  terminando na porta da rua. Lava todos os instrumentos da Jurema e acende um turibulo com a mirra e deixa na porta de entrada. 
À noite, se canta a mesa  no final se distribui pão, frutas, chás, café, bolos etc.

OBSERVAÇÃO 

Isso é Ciência de alguns Juremeiros. Não praticar essa Ciência não quer dizer que a  pessoa está errada pois cada um tem sua Ciência e sua herança recebida dos seus mais velhos. 
O motivo de eu escrever esse texto é para mostrar quanta diversidade há na Jurema e que podemos ser todos unidos dentro dessas diferenças. 

Eu vos saúdo com Paz e Alegria. 

Marcelo Galvão
09 de Junho de 2021

segunda-feira, 17 de maio de 2021

os cinco caminho da árvore Jurema.

Como prometido: o texto da Jurema com todos os direitos reservados. Podem compartilhar citando a fonte.

O símbolo do catimbó é a árvore Jurema. Símbolo de força, energia e poder Divino. Da árvore Jurema se retira sementes para consagrar os seus Discípulos, troncos para levantar no mundo material representações dos Mestres do além. Da folha, sumo para atrair coragem. A casca da árvore serve para banhos de descarrego. A raiz serve para preparar a bebida que possibilita o transe sagrado. 

OS "CINCO" CAMINHOS QUE A JUREMA  TEM 

A Jurema Preta (Mimosa hostilis) é uma árvore da família das Acácias. De grande importância para o Juremeiro. Essa espécie traz toda a fundamentação para este culto de origem xamânica nordestina que cada vez mais tem tomado forma de religião.  Dentro da pajelança sua importância estava no vinho retirado de suas raízes que contém um princípio psico ativo que uma vez ritualizado e bebido abriam-se portais para o mundo dos Encantos e da Ciência espiritual soprada pelos seres dos invisíveis. Essa ritualização elevou essa espécie de acácia ao estatus de sagrada, onde cada parte dela representa um caminho. Essa noção chegou as mesas de Senhores Mestres onde a Jurema é empregada em muitas funções terapêuticas. 

Cada compartimento da árvore Jurema, são caminhos e moradias de espiritos que representam toda a prática  do culto. Esses compartimentos ou partes tem seus elementos místicos e espirituais usados pelo Juremeiro em trabalhos. A árvore se divide em cinco caminhos, que vão da raiz às sementes. 

1) A raiz
2) O tronco
3) As folhas
4) As flores
5) As sementes 

"Subi por um suspiro, desci por um fio de ouro, abrindo nossos trabalhos, guardando em um tesouro" 

É preciso passar pela provação para voltar fortalecido, coroado de êxito e se responsabilizar pelos trabalhos da Jurema que são aguardados como um tesouro. 

O trabalho da Jurema ninguém pode saber (os leigos e curiosos),  é como trabalho da abelha, trabalha e ninguém vê. 

Se diz que para entrar na Ciência Sagrada do Juremá, a pessoa primeiro desce aos porões onde se depara com a escuridão. Mestres de esquerda, hábeis em saberem quais as intenções de quem quer adentrar nos mistérios, lá estão a espera. É na raiz aonde vamos encontrar a purificação e os espiritos mais pesados, os "capangueiros" os "Mestres Quimbandeiros e/ou Esquerdeiros", ... Por um suspiro a pessoa emerge para os invisíveis. ESTE É O PRIMEIRO CAMINHO. 

Através do suspiro ela chega ao tronco da Jurema. Aí é onde ela se fortalece. Os Mestres que aí estão ligados são aqueles que vêm para trabalhar na mesa do Juremá. São fortes,  verdadeiros, as vezes brincalhão, noutras vezes, rígidos. Eles sabem exatamente a missão que carregam perante aqueles que vêm buscar socorro dos Encantos. Eles também sabem e reverenciam o que sustenta a Jurema, a raiz. É lá que está a Senhora Rainha. 

Lenda da Jurema 

Conta-se que um bravo guerreiro Tabajara, chamado Abaturuna se apaixonou perdidamente por uma jovem e bela índia chamada Yurema. A chamavam assim porque ela era arredia e sempre amarga e não fazia amizades com ninguém. Ela foi encontrada na mata, bebê, por um grande Pajé Tabajara. Era de uma beleza ímpar, branca como a lua, olhos e cabelos negros como a noite. Cedo ela revelou muitos dons; conseguia viajar no pensamento, visitava as aldeias do mundo invisível, falava com os Espíritos Encantados nas matas e com os antigos Deuses. A seu pedido, seu pai adotivo fez uma oca para ela morar sozinha, assim ela poderia se dedicar a sua arte mágica, curando doenças, picadas de animais peçonhentos, ferimentos, doenças de espíritos, etc.
O jovem guerreiro a amava em silêncio. Não ousava se aproximar porque ela era sempre reservada e isolada. Ela sabia do amor que ele nutria, ela também o amava, mas sabia que esse amor nunca poderia ser cumprido. Yurema era filha de Jaci a lua com um índio e para fugir da ira de Coaraci, seu marido, ela a deixou na mata para que fosse criada pelos índios. Por isso que Yurema tinha tantos poderes, por ser filha de uma Deusa. Um dia Abaturuna sentindo que nunca iria realizar seu amor, resolveu partir desse mundo. Rumou para a mata sem suas armas disposto a morrer. Yurema sentiu o que ia acontecer e foi atrás dele. Encontrou-o triste esperando a morte chegar. Ela se encheu de coragem e revelou que também sentia um grande amor por ele. Nesse momento se entregaram um ao outro vencidos pelo amor que sentiam. Do céu Coaraci então descobriu o fruto da traição de Jaci e partiu para mata-la. Desesperada Jaci implorou a Tupã que a ajudasse. Tupã compadecido a transformou numa raiz que fez surgir uma bela árvore, a Jurema. Seu jovem e valente amor virou os galhos espinhentos para que Coaraci não pudesse atingi-la e assim Yurema ficou protegida e guardada e continua revelando os mistérios dos invisíveis a quem bebe de seu licor, a dona da Ciência do Juremá. 

Lenda ouvida do meu Padrinho Reinaldo Ribeiro dos Santo. 

O Jurema Encantada, que nasceu de frio chão. Dai-me força e Ciência, como deste a Salomão. ESTE É O SEGUNDO CAMINHO. 

Do tronco da Jurema, saem os galhos, que abrigam as folhas em meio aos espinho. Eis o lugar de domínio das Mestras. Elas não trabalham com a força.  Trabalham com a persistência ecom a paciência em meio às adversidades;  são hábeis em usar o poder feminino para atingirem seus objetivos. Elas mantém a árvore em pé porque sabem se dobrar ao vento, a chuva e a seca. Elas murcham as folhas em tempo de muito calor e seca para que a Ciência volte para o tronco e raiz. Por essa capacidade são conhecidas como as Donas do Trono. Os banhos e mirongas feitos das folhas e das cascas são um atributo delas. Elas que devem ser evocadas nesta hora. Existem Mestras especialistas em várias problemáticas dos seres humanos, como parto, cura de doenças crônicas, perturbações espirituais e mentais, casamentos fracassados, desempregos, desmanche de magia contrária,  etc. São as Mestras com a sua capacidade de conquista que adoram o Cruzeiro Mestre Divino. ESTE É O TERCEIRO CAMINHO. 

A Jurema brota da terra seca com muita força e poder e essa força e esse poder quando mal utilizado leva a uma série de perturbações. Diziam os antigos que a medida do querer nunca se enche. O poder corrompe. Desvirtua o caráter e leva a uma ambição desmedida e em alguns casos até criminosa. A Ciência da Jurema é tão maravilhosa que nos deu o equilíbrio. O equilíbrio da Jurema são as Princesas. Elas são comandadas pela flor da Jurema. São representadas por taças translúcidas com água cristalina. São os Espíritos mais puros da jurema. 
Bom fazer um lembrete de que existem Mestras que são elevadas a categoria de Princesas, mas por outros motivos. 

Ao lado delas, mas soltos da flor estão os príncipes que transportam a Ciência para outros Discípulos ou para novas árvores que vão ser semeadas. Um não existe sem o outro, porque senão a Ciência não se multiplicaria. São representados por copos também translúcidos e de água cristalina. Os Príncipes são os que abrem a vidência para as Princesas predizerem a situação dos consulentes, em quem trabalha com esse tipo de oráculo. 

Eles e elas são inúmeros e cada Juremeiro os representam de acordo com suas Ciências recebidas. ESTE É O QUARTO CAMINHO. 

Da floração da Jurema vem a vagem carregada de sementes. Aí se encontram os Espíritos mais antigos da Jurema, conhecidos como Reis e Rainhas. Este título que os Juremeiros dão é pelo poder e autoridade que a semente da Jurema tem de ensimentar, consagrar e coroar um Discípulo, unindo-o com a Mestria. Sabemos que uma pessoa para trabalhar com um Mestre não precisa ser consagrada, mas quando ela é consagrada, fica protegida de espíritos embusteiros, mistificadores, que não são da família espiritual dele, fechando uma corrente para que ele não receba uma infinidade de Mestres e Caboclos e outras Entidades. O Consagrado, passa a fazer parte de uma corrente ancestral que o liberta de espíritos de mortos. O Consagrado não morre, se encanta, na Ciência. ESTE É O QUINTO CAMINHO. 

Por setenta anos pelejamos na Jurema para que nos dominemos sem ninguém nos dominar. 

Acima no céu é Deus 
Em cima da terra o Mestre 
No meio as águas que tudo cortam
Na força do pensamento
Vai pra Jurema Jandaia
Todo mal que se corta é com a fumaça 

Discípulo Mestre Jaguar - Marcelo Galvão 

"Seu Marcelo, na Jurema tudo se aproveita, da rais até as sementes. 

Sr. Geraldo Guedes". 

(*) a base para formação deste texto foi uma abençoada conversa com um dos Grandes Mestre da Jurema, Senhor Geraldo Guedes. 

Em 17 de maio de 2009

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

ritos fúnebres da irmandade do vajucá

RITOS FÚNEBRES NA IRMANDADE DO VAJUCÁ 

Nós da Irmandade dizemos que passamos por três mortes 

A morte de quando nascemos para o mundo e morremos para os invisíveis
A morte de quando morremos para o mundo e nascemos para a Ciência através da consagração 
A morte de quando morremos para a Ciência e nascermos para o Encanto, quando deixamos esse mundo. 

Nas matrizes formadoras das várias vertentes ou famílias de Juremeiros, sem dúvida o catolicismo popular é bastante expressivo, mas o lastre tupi permeia e atravessa todas essas influências e chega ao mundo contemporâneo, mesmo rezada por ladainhas cristãs. 

De Origem indígena, a rede, em tupi, ini, é presente no nascimento, vida e morte do indígena, do sertanejo e das populações pobres do norte e nordeste do Brasil. 

Era na rede que nossos Antepassados se enterravam. Os tupis davam ao morto seu último alimento na rede para que os espíritos viessem compartilhar e levar a alma para os Encantos. 

Depois, já nas vilas e cidades, se colocava a rede sobre uma mesa com o morto em cima e ali as carpideiras entoavam bentos e incelenças, enquanto se comia, se bebia e se contava os feitos do finado. 

Tudo isso feito à noite com velas e lamparinas acesas,  daí o nome "velório" -  à luz de velas. 

Jamais se enterrava um defunto à noite. Era preciso velá-lo o maior tempo possível a fim de não enterrá-lo vivo e a noite era mais fresco, impedindo o aceleramento da decomposição pelo calor. 

No amanhecer a rede era suspensa em um mourão e conduzida por dois homens; a depender da fama de boa gente tinha muito acompanhante no cortejo. 

Na atualidade, por lei, não se permite enterros em redes. 

Velhos Juremeiros seguiam essa tradição. Na Irmandade seguimos.
Ao entrar para a consagração o novo Discípulo passará pelas inselenças onde morrerá para o mundo e nascerá para a Ciência. É um rito fúnebre que deixa para trás velhos hábitos a fim de que possa seguir o caminho de Juremeiro de forma a adquirir Ciência e sabedoria. Simbolicamente será enterrado coisas ruins que atrapalharam a vida do novo consagrado. Só então ele irá despachar a mata no caminho da Irmandade. Em nossa Casa há um segundo despacho de mata, desta vez já no caminho dele, dando autonomia para se cuidar sozinho ou cuidar de seus próprios afilhados. Estará independente do seu Padrinho de consagração, embora possa sempre solicitar orientação e ajuda, tanto do Padrinho quanto dos demais irmãos quando achar necessário. 

Quando um Discípulo se passa (o Consagrado não morre, se passa), e ele ainda não tem a segunda mata despachada, são cantada as inselenças e uma rede é preparada para levar o que tem que ir para a mata, num pé de Jurema Preta ou outra árvore da Ciência daquele Discípulo incluindo as afirmações das Entidades. É um rito fechado de despedida do irmão e sete dias depois se faz o encaminhamento.
Caso o Discípulo já tenha a segunda mata despachada, o procedimento é diferente. Porque terá a vigília, os bentos e inselenças e se come e se bebe o Discípulo. 

(*) beber e comer o Discípulo é uma expressão para o ato de se ter muitos bolos, pães, biscoitos, café e vinho de jurubeba. Se conta muitas histórias dos feitos do Discípulo que virará lenda. 

Com sete dias é feito uma cerimônia fechada na Irmandade para a despedida do novo irmão dos invisíveis. 

Aos doze dias da passagem se faz então o encaminhamento e suas afirmações de Caboclos e Mestres são repassados para que alguém os cuide pelo resto da vida. 

Deus nos dê vida nesse mundo
Para que o mundo eu possa benzê
Trago a marca mestra em punho
A pena do recado
E o galho santo pra vencê
Em nome dos três saberes
Três Reis 
Três Principe
E a Glória do Pai
Do filho 
Do Espírito Santo 
Amém 

(*) Os três saberes, os três Reis e os três príncipes, vão da herança de cada família.

Marcelo Galvão, em 08 de fevereiro de 2021.

Pintura de Cândido Portinari, enterro na rede