segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

ritos fúnebres da irmandade do vajucá

RITOS FÚNEBRES NA IRMANDADE DO VAJUCÁ 

Nós da Irmandade dizemos que passamos por três mortes 

A morte de quando nascemos para o mundo e morremos para os invisíveis
A morte de quando morremos para o mundo e nascemos para a Ciência através da consagração 
A morte de quando morremos para a Ciência e nascermos para o Encanto, quando deixamos esse mundo. 

Nas matrizes formadoras das várias vertentes ou famílias de Juremeiros, sem dúvida o catolicismo popular é bastante expressivo, mas o lastre tupi permeia e atravessa todas essas influências e chega ao mundo contemporâneo, mesmo rezada por ladainhas cristãs. 

De Origem indígena, a rede, em tupi, ini, é presente no nascimento, vida e morte do indígena, do sertanejo e das populações pobres do norte e nordeste do Brasil. 

Era na rede que nossos Antepassados se enterravam. Os tupis davam ao morto seu último alimento na rede para que os espíritos viessem compartilhar e levar a alma para os Encantos. 

Depois, já nas vilas e cidades, se colocava a rede sobre uma mesa com o morto em cima e ali as carpideiras entoavam bentos e incelenças, enquanto se comia, se bebia e se contava os feitos do finado. 

Tudo isso feito à noite com velas e lamparinas acesas,  daí o nome "velório" -  à luz de velas. 

Jamais se enterrava um defunto à noite. Era preciso velá-lo o maior tempo possível a fim de não enterrá-lo vivo e a noite era mais fresco, impedindo o aceleramento da decomposição pelo calor. 

No amanhecer a rede era suspensa em um mourão e conduzida por dois homens; a depender da fama de boa gente tinha muito acompanhante no cortejo. 

Na atualidade, por lei, não se permite enterros em redes. 

Velhos Juremeiros seguiam essa tradição. Na Irmandade seguimos.
Ao entrar para a consagração o novo Discípulo passará pelas inselenças onde morrerá para o mundo e nascerá para a Ciência. É um rito fúnebre que deixa para trás velhos hábitos a fim de que possa seguir o caminho de Juremeiro de forma a adquirir Ciência e sabedoria. Simbolicamente será enterrado coisas ruins que atrapalharam a vida do novo consagrado. Só então ele irá despachar a mata no caminho da Irmandade. Em nossa Casa há um segundo despacho de mata, desta vez já no caminho dele, dando autonomia para se cuidar sozinho ou cuidar de seus próprios afilhados. Estará independente do seu Padrinho de consagração, embora possa sempre solicitar orientação e ajuda, tanto do Padrinho quanto dos demais irmãos quando achar necessário. 

Quando um Discípulo se passa (o Consagrado não morre, se passa), e ele ainda não tem a segunda mata despachada, são cantada as inselenças e uma rede é preparada para levar o que tem que ir para a mata, num pé de Jurema Preta ou outra árvore da Ciência daquele Discípulo incluindo as afirmações das Entidades. É um rito fechado de despedida do irmão e sete dias depois se faz o encaminhamento.
Caso o Discípulo já tenha a segunda mata despachada, o procedimento é diferente. Porque terá a vigília, os bentos e inselenças e se come e se bebe o Discípulo. 

(*) beber e comer o Discípulo é uma expressão para o ato de se ter muitos bolos, pães, biscoitos, café e vinho de jurubeba. Se conta muitas histórias dos feitos do Discípulo que virará lenda. 

Com sete dias é feito uma cerimônia fechada na Irmandade para a despedida do novo irmão dos invisíveis. 

Aos doze dias da passagem se faz então o encaminhamento e suas afirmações de Caboclos e Mestres são repassados para que alguém os cuide pelo resto da vida. 

Deus nos dê vida nesse mundo
Para que o mundo eu possa benzê
Trago a marca mestra em punho
A pena do recado
E o galho santo pra vencê
Em nome dos três saberes
Três Reis 
Três Principe
E a Glória do Pai
Do filho 
Do Espírito Santo 
Amém 

(*) Os três saberes, os três Reis e os três príncipes, vão da herança de cada família.

Marcelo Galvão, em 08 de fevereiro de 2021.

Pintura de Cândido Portinari, enterro na rede