segunda-feira, 1 de abril de 2013

Deus, divindades e poder ancestral

Deus, Divindades e Poder Ancestral - Parte I


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Onde se discorre a respeito da concepção de Deus e da etimologia da palavra orixá; apresentam-se dados sobre algumas das principais divindades do panteão iorubá e sobre o Poder Ancestral
Olodumare - a respeito de Deus 1
Deus possui muitos nomes, sendo o mais antigo Olodumare ou Edumare. A palavra Olodumare constitui contração de Ol'(Oni) odu mare (ma re), o que significa Ol'(Oni) = senhor de, parte principal, líder absoluto, chefe, autoridade/ Odu = muito grande, recipiente profundo, muito extenso, pleno; Ma re = aquele que permanece, aquele que sempre é; Mo are = aquele que tem autoridade absoluta sobre tudo o que há no céu e na terra e é incomparável; Mare = aquele que é absolutamente perfeito, o supremo em qualidades.
Alguns outro nomes de Deus são: Olorun, contração de Ol' = Senhor / Orun = céu, significando Senhor do Céu; Orise contração de Ori = cabeça / Se = origem, significando fonte da qual se originam os seres ou fonte de todos os seres; Olofin-Orun, contração de Olofin = rei / orun = céu, significando Senhor do Céu; Olori, contração de Oni = Senhor / ori = cabeça, significando Senhor de tudo o que é vivo.
São atributos do Ser Supremo: Único, Criador, Rei, Onipotente, Transcendente, Juiz e Eterno. É considerado Oyigiyigi Ota Aiku - a poderosa, durável, inalterável rocha que nunca morre. Não recebe cultos diretamente, porém sempre que uma divindade é cultuada a oração inicia por A se (axé): Possa Deus aceitar isso.
Irunmale - Orixás e Ancestrais
As entidades que habitam a dimensão supra-sensível são denominadas irunmale e entre elas incluem-se os irunmale-divindades, associados à criação e cujo axé advém de emanações diretas de Olodumare e os irunmale-ancestrais, associados à história dos seres humanos. Os ancestrais masculinos, irunmale-ancestres da direita - Baba-egun - têm sua instituição na Sociedade Egungun e os femininos, irunmale-ancestres da esquerda - Iya-agba ou Iyami - têm sua instituição nas Sociedade Gelede e Egbe eleeko. Os ancestrais masculinos têm representações individualizadas enquanto os femininos, exceto em ocasiões bem extraordinárias, são agrupados no singular Iyami (minha mãe), tema a ser abordado adiante. A fórmula de invocação dos irunmale diz:
Os quatrocentos irunmale do lado direito
e os duzentos irunmale do lado esquerdo2
Os orixás, irunmale-divindades, estão relacionados à estrutura da natureza enquanto os irunmale-ancestrais vinculam-se mais especificamente à estrutura da sociedade. Os antepassados são genitores humanos e os orixás, genitores divinos. O orixá representa um valor e uma força universal e egun, um valor restrito a determinado grupo familiar ou linhagem.
Aquele define a pertença do ser humano à ordem cósmica e este, sua pertença a determinada estrutura social. Segundo Elbein dos Santos (1986), os orixás regulam as relações com o sistema como totalidade, enquanto os egun regulam as relações, a ética e a disciplina moral do grupo.
Orixás
Os orixás são, segundo Awolalu e Dopamu (1979), deuses com d minúsculo. Emanações do Ser Supremo, dele possuem atributos, qualidades e características e têm por propósito servir à vontade divina no governo do mundo. Algumas destas divindades são primordiais, isto é, participaram da criação do mundo; outras são ancestrais que por suas vidas exemplares3, foram deificados e outras personificam forças e fenômenos naturais.
Entre as divindades primordiais figuram, por exemplo, Orixalá, também chamado Obatalá ou Oxalá; Orumilá, também chamado Ifá e Exu, conforme se pode ver no mito cosmogônico4. Entre os ancestrais deificados figuram Xangô, o quarto rei de Oyo, identificado com Jakuta, a primitiva divindade dos raios, relâmpagos e trovões. Personificando fenômenos e forças naturais, há milhares de espíritos, associados às montanhas, montes, rios, rochas, cavernas, árvores, lagos, riachos, florestas. Como por exemplo, o monte rochoso Olumo, de Abeokuta, a quem os egba atribuem a ajuda diariamente recebida.
Os nomes dos orixás são descritivos, informando sobre sua natureza, caráter e funções ou possibilidades. Por exemplo, Jakuta, aquele que briga com pedras, é a divindade do raio e com raio pune os faltosos; Olokun (Ol'= Senhor / okun = mar) é o Senhor do mar; Xapanã (soponna = varíola) é a divindade que pune com varíola, ou promove sua cura. De quantas divindades se compõe o panteão? Em Ile-Ifé, Idowu foi informado que o conjunto soma 200, sendo o rei de Ifé considerado a 201a, o que perfaz um total de 201. Outras fontes orais referem-se a um total de 401, 600, 1060, 1440 ou ainda, 1700.
Em cada localidade o panteão é regido por uma arqui-divindade - o ser espiritual mais importante abaixo de Deus. As divindades são simultaneamente boas e más, podendo trazer felicidade ou infortúnio aos homens.
A palavra orixá é de etimologia obscura. Entre as inúmeras tentativas de elucidação de seu significado, inclui-se um mito apresentado por Idowu, que transcrevo a seguir: Olodumare designou Orixá para vir ao mundo com Orumilá. Passado algum tempo, a arqui-divindade quis possuir um escravo. Dirigiu-se ao mercado de escravos em Emure e comprou um, de nome Atowoda, aquele que alguém traz sobre a própria cabeça. Prestativo e eficiente, trazia muita satisfação ao seu senhor. No terceiro dia de convivência Atowoda pediu a Orixá que lhe cedesse uma porção de terra para cultivo próprio. Teve seu pedido atendido e tornou-se proprietário de terras na encosta da montanha que ficava próxima à casa de Orixá. Em apenas dois dias de trabalho limpou o mato, construiu uma cabana e cultivou uma fazenda, deixando seu amo muito bem impressionado. Mas o coração de Atowoda não era bondoso e nele germinou o desejo de destruir o amo.
Procurando a melhor maneira para realizar seu intento, maquinou um plano: havia na fazenda grandes pedras e uma delas poderia, em momento oportuno, ser deslocada do alto da montanha, de modo a rolar morro abaixo e cair sobre Orixá. Escolhida a pedra adequada, preparou-a para que pudesse ser facilmente deslocada. Uma ou duas manhãs depois, Orixá encaminhou-se para a fazenda. Atowoda o espreitava sem esforço, pois seu senhor vestia roupas brancas, destacando-se, nítido, na paisagem verde. No momento oportuno, Atowoda movimentou a pedra e a arqui-divindade, entre surpreso e aterrorizado, não teve como escapar e sucumbiu sob o peso da pedra, partindo-se em muitos pedaços, que se espalharam por toda parte.
A história não termina aí: Orumilá tomou conhecimento do ocorrido e, servindo-se de certas práticas ritualísticas recolheu os pedaços de Orixá numa cabaça: Ohun-ti-a-ri-sa - o que foi encontrado e reagrupado. Alguns pedaços foram levados a Iranje, lugar de origem da arqui-divindade e outros foram distribuídos por todas as partes do mundo. A palavra Orixá seria, pois, contração de Ohun-ti-a-ri-sa e esse teria sido o início do culto em todo o mundo. Este mito sugere que originalmente Orixá era uma unidade da qual decorreram todas as divindades. Sugere também que o Uno manifesta-se no múltiplo e que aquilo que é dividido será um dia reagrupado.
Segundo outra interpretação, a palavra orisa seria uma corruptela da palavra orise, contração de Ibiti-ori-ti-se, ou seja, origem (ou fonte) dos ori, designação do Ser Supremo. Esta interpretação enfatiza a íntima participação das divindades na obra de Deus na terra. Os orixás são designados por muitos outros nomes, entre os quais, Imale, palavra talvez originária da contração de Emo-ti-mbe-n'ile, que significa seres supra-normais na terra.
Quais são os principais orixás e qual a hierarquia estabelecida entre eles? Algumas divindades são cultuadas por toda a terra dos iorubás. Outras são particularmente reverenciadas nesta ou naquela região. Assim, a divindade prioritariamente cultuada em determinada localidade, como Oxum em Osogbo, por exemplo, torna-se a líder do panteão local.
Selecionar algumas dessas divindades para apresentação e, em seguida escolher os traços mais significativos de cada uma delas, traços suficientes para caracterizá-las, constitui tarefa árdua pois os dados são numerosos e sua articulação, complexa. Espero que os orixás não mencionados, seus devotos e simpatizantes, possam desculpar a lacuna.
Peço-lhes que não a interpretem como sinal de irreverência, descaso ou desrespeito.
Exu5
Exu Odara omokunrin Idolofin
Exu Odara, o homem forte de Idolofin
Paapa-wara; A tuka mase isa
O apressado, o inesperado
Ele, que quebra em fragmentos que não se pode juntar
Exu é personagem controversa, talvez a mais controversa de todas as divindades do panteão iorubá. Para alguns é considerado como não exclusivamente mau, enquanto para outros é tido como a própria personificação do Mal6. Segundo Dopamu (1990), a maioria dos iorubás compartilham a opinião de que Exu personifica o Mal e atribuem a ele a responsabilidade por situações de briga, perigo, confusão, tumulto, má conduta e loucura. É comum ouvirmos um iorubá orando Oloorun ma je ki a ri ija Esu - Possa Deus nos ajudar a evitar o combate com Exu.
No mito cosmogônico Exu figura como responsável pela conservação do axé, o grande e divino poder com o qual as divindades realizam seus feitos sobrenaturais. (Abimbola, 1976). Em outros mitos, mostra-se freqüentemente associado a Orumilá. Vejamos um desses mitos, transcrito por Dopamu (1990):
Um dia Exu recebeu de Orumilá 120 mil búzios7 economizados e prometeu negociar com eles. Mas como desejava ver o trabalho de seu companheiro arruinado, com esse dinheiro comprou uma velha e a trouxe para ele. Não passaram três dias e a velha morreu. Mas Orumilá, conhecendo muito bem as intenções maldosas de Exu, aceitou o incidente com calma e providenciou rituais fúnebres com todas as honras para a falecida. Pois bem. A velha era mãe de dois grandes reis - o Oba de Ibini (Benin) e o Oba de Oyo, que estavam procurando-a por toda parte, preparados para pagar por ela um resgate real. Ao tomarem conhecimento do ocorrido, compraram de Orumilá o cadáver da mãe por incontáveis bolsas de búzios. Assim, Exu não conseguiu criar obstáculos no caminho de Orumilá.
Outro mito esclarecedor a respeito das relações entre essas duas divindades o seguinte: Certa feita, Orumilá sofreu a ingratidão das pessoas do mundo e partiu para o céu, levando um feixe de varas e lamentando o ocorrido. No caminho encontrou Exu que lhe perguntou para onde ia. Ouvindo o relato, Exu considerou que, se os seres humanos podiam dizer coisas tão feias contra Orumilá, sempre tão generoso para com eles, o que não diriam dele próprio, sempre tão cruel?
Então, acompanhou o amigo até o céu, carregando o feixe de varas para ele e lá chegando, ao ver as pessoas do mundo irou-se. Pegou algumas varas e começou a bater nelas. As pessoas clamaram a Olodumare por ajuda, dizendo que o promotor de desordens as havia seguido até o céu para matá-las. Olodumare enviou seus mensageiros para deter Exu e perguntou a Orumilá por que se recusara a proteger as pessoas entregues a seus cuidados. Este defendeu-se dizendo que Exu era responsável por todos os distúrbios do mundo e que dera, no céu, apenas uma demonstração de seu comportamento habitual na terra. Exu disse às pessoas que Orumilá as protegia no mundo mas não poderia protegê-las no céu. Então Olodumare disse a Orumilá que não levasse mais Exu ao céu e que cuidasse pessoalmente do bem-estar das pessoas no mundo. Aqui vemos Exu como gerador de distúrbios, dotado de poder para promover discórdias controláveis somente por Olodumare através de Orumilá (Dopamu, 1990).
Para Dopamu, Exu é o inimigo invisível do homem que, ardiloso e hábil, arremete sem descanso. Ao descrever as relações entre o homem e essa divindade, usa termos como estratégia e inimigo, denotando uma luta travada entre o Bem e o Mal, em dois campos de batalha articulados: o visível, na vida de relações sociais e o invisível, no íntimo da cada ser humano: Exu é uma realidade externa, bem como um demônio psicológico em nós. Embora Dopamu8 o considere como uma entidade exclusivamente malévola, outros autores o descrevem como uma divindade simultaneamente malévola e benévola (desde que receba seu tributo).
Seu santuário é geralmente construído fora da cidade ou da aldeia, podendo também ser encontrado em albergues para estrangeiros e encruzilhadas. É simbolizado por uma laje de pedra ou pedaço de laterita bruta enterrado obliquamente no chão. Às vezes é simbolizado por uma imagem feita de barro ou madeira. Cultuado e aplacado por toda a terra iorubá, aceita em sacrifício búzios, galos, cachorros e bodes, bem como uma parte dos sacrifícios oferecidos às demais divindades. Em algumas regiões realiza-se festivais anuais em sua homenagem, ocasião em que as pessoas lhe pedem bênçãos para a agricultura e proteção contra o mal.
Oxalá9
Aiye won a toro bi omi a-foro-pon!
Suas vidas serão puras e límpidas
como água apanhada na nascente,
logo cedo pela manhã!
Oxalá, também chamado Obatalá e Orixalá (Orisa-nla), é a divindade criadora, incumbida pelo Ser Supremo de criar a terra sólida, povoá-la e modelar a forma física do homem, sendo por isso, freqüentemente descrito como o representante de Olodumare na terra. Oxalá possui outros nomes descritivos de sua natureza e caráter: Obatala, contração de Oba-ti-o-nla, o rei que é grande ou Oba-ti-ala, o rei em vestes brancas.
Muito antigo, diretamente originado do Ser Supremo, compartilha com Ele alguns nomes: A-te-rere-k-aiye = O que se expande por toda a extensão da terra; Eleda = Construtor; Alabalase = o regente que empunha o cetro (símbolo da autoridade divina); Ibikeji Edumare = Representante de Olodumare; Adimula = Aquele que é suficientemente forte para nos dar segurança. Freqüentemente representado pela figura de um ancião com trajes e ornamentos brancos, todos os objetos a ele associados são igualmente brancos, incluindo-se roupas e ornamentos de seus sacerdotes, sacerdotisas e devotos.
As pessoas que nascem defeituosas são chamadas Eni Orisa = Devotos do Orixá e devem respeitar certos tabus alimentares. Os albinos estão incluídos entre os Eni Orisa e seus tabus alimentares são particularmente pesados. Em algumas regiões é costume dizer-se a uma mulher grávida Ki Orisa ya 'na 're ko ni o = Possa Orixá realizar um belo trabalho de arte para nós. Ouve-se dizer também: Ki 'se ejo eleyin gan-n-gan; Orisa l'o se e ti ko fi awo bo o = Os dentuças não devem envergonhar-se. Foi Orixá quem os fez e não providenciou cobertura suficiente para seus dentes.
Oxalá é cultuado por toda a terra iorubá. Segundo narra a tradição, seu lar de origem é Igbo: Enití nwon bi l' ode Igbo ti o re j' obal' ode Iranje = Ele que nasceu em Igbo e foi reinar em Iranje. Em Ile-Ifé é cultuado, pelo menos, sob três nomes. Em Ifon onde segundo algumas tradições a mãe de Oxalá (!) teria nascido, é chamado Olufon; em Ijaye, Orisa Ijaye; em Owu, Orisa-Roowu; em Oba, Orisa Oloba e assim por diante10. Mulheres estéreis pedem a benção de conceber; mulheres grávidas bebem água de seu santuário para terem filhos bonitos; inválidos são tratados com essa mesma água, colhida de manhã bem cedo, devendo a pessoa que vai apanhá-la, permanecer em silêncio total durante a realização dessa tarefa. A água de seu santuário deve ser trocada todos os dias para manter-se pura.
Antigamente apenas as mulheres virgens ou as já velhas, mulheres sem atividade sexual e de indiscutível reputação moral podiam apanhar água em sua nascente. Durante todo o percurso de ida à fonte e retorno, para evitar que lhe dirijam a palavra, a pessoa que apanha a água faz soar continuamente o agogo, informando tratar-se de um cortejo sagrado. Oxalá recebe em sacrifício igbin (caracol da terra) e banha de ori.
Totalmente identificado com a pureza, Oxalá exige alto senso de moralidade por parte de seus cultuadores, que devem ser como a água da nascente. O procedimento do devoto de Oxalá deve ser correto e limpo seu coração: Aiye won a toro bi omi a-f'oro-pon! = Suas vidas serão puras e límpidas como água apanhada logo cedo pela manhã! Oxalá dá a seus filhos motivo para rir e eles riem. Oxalá torna seus filhos prósperos:
Alase!
Oh, Portador do Cetro!
Oh, você que multiplica uma única pessoa por 200 !
Multiplique-me por 200
multiplique-me por 400
multiplique-me por 1460 !
Orumilá (Ifá)11
Okitibiri, a-pa-ojo-iku-da
O grande transformador,
que pode alterar a data da morte
Orumilá, ou Ifá, a divindade oracular dos iorubás, é respeitado por sua sabedoria. A palavra Orunmila forma-se da contração de orun-l'o-mo-a-ti-la = Somente o Céu conhece os meios de libertação; resulta também da contração de orun-mo-ola = Somente o céu pode libertar. A palavra Ifá, por sua vez, tem por raiz fa, que significa acumular, abraçar, conter, indicando que todo o conhecimento tradicional iorubá acha-se contido no Corpus literário de Ifá. Abimbola, um dos mais significativos expoentes no estudo da cultura iorubá, é de opinião que o empenho em traçar rotas de origem de palavras antigas como os nomes dos orixás é tarefa inglória dado que a estrutura dessas palavras impossibilita uma análise autêntica.
Orumilá teria morado num lugar conhecido como Oke Igeti, sendo por isso que alguns de seus oriki o chamam Okunrin kukuru Oke Igeti = Homem baixo do Monte Igeti; Akere-f'inu-sogbon - Pessoa pequena cuja mente é plena de sabedoria.
Segundo um de seus mitos, teve oito filhos e alguns discípulos aos quais ensinou os mistérios da adivinhação. Todos os filhos tornaram-se importantes, espalhando-se por muitas regiões da terra iorubá. De acordo com outro mito, Ifá, nascido em Ifé, era um eminente adivinhador e um grande curador. Depois de tornar-se famoso, fundou uma cidade chamada Ipetu, dela tornando-se rei passando a ser chamado Alaketu. Era muito popular e considerado grande profeta, sendo procurado por muitas pessoas desejosas de aprender a arte divinatória. Entre todos, ele selecionou dezesseis homens, cujos nomes são idênticos aos dos signos divinatórios chamados Odu.12
Outro mito conta que o culto de Ifá foi introduzido na terra iorubá por um nupe chamado Setilu, que nascera cego. Seus pais haviam desejado matá-lo, por causa de sua deficiência. Mas ao crescer Setilu foi se revelando uma criança muito especial, surpreendendo os pais por seu poder divinatório. Desde os cinco anos começou a apresentar poderes, contando aos pais por exemplo, quem os visitaria e o que trariam. À medida que foi crescendo dedicou-se mais e mais à prática de oogun, magia/medicina tradicional13 servindo-se, no início, de 16 seixos para adivinhar. Mas os muçulmanos sentiram inveja dele e o expulsaram do país. Atravessou o rio Niger rumo à cidade de Benin, dali para Owo e de lá para Ado, alcançando finalmente Ifé onde radicou-se e veio a ser famoso. Iniciou muitos de seus seguidores nos mistérios da adivinhação de Ifá, o orixá que viria a ser o oráculo de todo o povo iorubá.
Outros mitos narram que Ifá (Orumilá), em companhia de outras divindades primordiais veio para a terra participar do processo de criação. Teria descido em Ifé, considerada ponto de origem da espécie humana. Orumilá recebeu de Olodumare a incumbência de acompanhar e aconselhar Orixalá, seu senhor e superior hierárquico, e o privilégio de conhecer a origem de todos os orixás, de todos os seres humanos e de todas as coisas. Por isso é responsável pela tarefa de guiar os destinos.
Eleri-ipin - a testemunha (ou defensor) do destino humano presencia o nascimento de todos os seres humanos, momento em que o destino de cada homem é selado. Somente Orumilá conhecedor do ipin ori - destino do ori pode adequadamente sondar o futuro e orientar quem o procura. Por isso é consultado nos momentos críticos da existência - fundação de aldeias; início da construção de casas; realização de contratos; negociações; início e término de guerras; casamentos; nascimentos.
A palavra Orumilá designa a divindade, enquanto a palavra Ifá designa, simultaneamente, a divindade e o sistema divinatório a ela associado. Para orientar os que o procuram, o sacerdote de Ifá, chamado babalawo (pai do segredo), reporta-se ao Odu Corpus, conjunto riquíssimo de conhecimentos esotéricos e registros históricos da milenar tradição iorubá. Veste branco e geralmente raspa a cabeça. As regras que deve obedecer incluem a de não aproveitar-se das próprias prerrogativas. Como possui amplos e profundos conhecimentos é procurado por grande número de pessoas, muitas das quais em situação de crise, fragilizadas pelas circunstâncias difíceis que enfrentam, mergulhadas num sofrimento do qual querem escapar, literalmente, a qualquer preço. Esta configuração favorece o abuso de poder.
Entretanto, recebem a advertência de não agirem em benefício próprio (para enriquecer, por exemplo), nem de recusarem servir a quem não possa pagar. Se necessário, além de realizar o jogo divinatório sem ônus para o consulente, devem dar-lhe o necessário para encaminhar a solução do problema. Entende-se que o grande privilégio e a grande riqueza do sacerdote de Orumilá reside na oportunidade de estar a seu serviço. Atentemos para o fato de que Ifá pode compreender todos os idiomas da terra, o que lhe possibilita aconselhar todos os seres humanos, sem exceção. O corpus narrativo de Ifá guarda a história da maioria dos orixás. Guarda ainda, o ensinamento de curas através do uso de ervas. Por isso, seus sacerdotes devem conhecer, além da prática divinatória, o preparo de remédios. Orumilá tem por irmão mais novo, Ossaim, a divindade da cura, de cujo auxílio serve-se há 1460 anos14.
Ifá é cultuado em toda a terra iorubá. Seu santuário fica na casa do sacerdote. Seus pertences incluem 16 sementes de palmeira (ikin), búzios e pedaços gravados de presa de elefante, guardados num receptáculo colocado em lugar alto num canto ou no centro do cômodo. Aceita em sacrifício óleo de palmeira, obì, orobô, sendo que sacrifícios mais elaborados, podem incluir aves, porcos ou bodes, dependendo da prescrição do oráculo.
Obaluaiye 15
A-soro-'pe-l'erun
Aquele cujo nome não deve ser pronunciado durante a estação das secas.
Obaluaiye, palavra constituída pela contração de Oba-'lu'aiye, o rei que é o senhor da terra é também chamado Oluwa Aiye, Senhor da terra. A ele se pede licença para o uso da terra. Por exemplo, quando um iorubá vai jogar água fora da casa, no chão, normalmente diz: Ago o Olode! Desculpe-me, ó Olode! Olode é palavra originária da contração de Ol', abreviação de Oni (Senhor ou dono) e ode (aberto), significando, pois, Senhor (ou dono) do aberto. Sua permissão é solicitada em festas:
Deixe-me obter a permissão do senhor da terra,
Se ele nos permitirá dançar;
A hospitalidade de Obaluaiye é solicitada no cultivo da terra:
O fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado,
O algodão não queimaria
e desagradaria o fazendeiro;
O fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado,
Não manuseamos as ferramentas e desagradamos Olode;
Olode poderia ser extraordinariamente agradado.
É invocado pelos nomes Ile-gbona, terra quente e Baba, Pai, e não por seu nome original - Soponna16, palavra que em iorubá significa varíola. Senhor da varíola, inspira terror e respeito por punir com essa doença os faltosos.
Seu castigo, como o de Xangô, é considerado punição nobre. Assim, quando alguém morre de varíola, sua morte não deve ser lamentada. Pelo contrário. Deve ser aceita com alegria e gratidão. Daí origina-se outro de seus nomes: Alapadupe - o que mata e a quem devemos ser agradecidos por haver morto. Alguns anciãos dizem que Obaluaiye é irmão mais novo de Xangô17. Esta crença leva os devotos de Xangô a considerarem-se imunes à fúria de Obaluaiye e os vice-versa. Uma expressão disso é a seguinte: Não há dano que o irmão mais velho possa infligir aos filhos do irmão mais novo. Estes orixás são tão familiares entre si que, segundo narrações tradicionais, Obaluaiye freqüentemente refere-se a Xangô em tom de brincadeira, dizendo, por exemplo, que quando Xangô vai destruir uma única pessoa, faz enorme alarde, com extraordinários efeitos de luz e som (relâmpagos e raios), enquanto ele próprio destruirá centenas de pessoas silenciosamente.
Obaluaiye proíbe a mentira, o envenenamento e a magia negra. Usa roupa vermelha e viaja quando o sol está bem quente. Por isso, as pessoas são desaconselhadas a usarem roupa vermelha e andarem sob o sol para não lhe causarem aborrecimento. Cuidados especiais devem ser tomados durante a estação das secas, de modo a não adotar nenhum procedimento que possa ofendê-lo. Isto é compreensível porque a varíola é mais freqüente e espalha-se mais facilmente durante esse período. Por ser particularmente atuante durante a estação das secas é chamado A-soro-'pe-l'erun, Aquele cujo nome não deve ser pronunciado durante a estação das secas.
Seu santuário fica normalmente fora de casa ou da aldeia, às vezes, no bosque. Entretanto, pode permanecer no interior de casa ou da aldeia. Em seu assentamento encontramos um pote de barro de boca larga, chamado agbada, repousando sobre um montículo de terra. Ao lado, fica uma vassoura especial, feita de ose potu (sida carpinifolia) e untada com osun.
Ogum 18
Ogun ko ni je o si ewu lona wa
Com a proteção de Ogum não haverá nenhum perigo em nosso caminho.
Ogum, divindade do ferro, da guerra e da caça, é patrono dos ferreiros, caçadores, guerreiros e todos os que lidam com ferro e aço, incluindo-se entre eles os profissionais que realizam tatuagens e circuncisões, os policiais e os cirurgiões.
A tradição narra que Ogum era caçador e costumava descer do orun por meio de uma teia de aranha, para caçar. Narra ainda, que quando todas as divindades vieram ao mundo, tiveram dificuldades para encontrar o caminho, competindo a ele abrir clareiras na selva com seu facão mágico, para que pudessem passar. Em conseqüência disso, foi aclamado por todos como Osin Imale, chefe entre as divindades.
Ogum é considerado muito feroz. Qualquer contrato ou juramento selado em seu nome deve ser cumprido. São costumes tradicionais beijar um pedaço de ferro ou morder uma chave para demonstrar compromisso com a verdade e a justiça, em nome de Ogum. Caso o compromisso não seja cumprido ou haja juramento falso, considera-se que o faltoso sofrerá sérias conseqüências.
Seu santuário é construído na parte fronteira das casas e oficinas de ferreiros. Tem por símbolos mais importantes o ferro, a rocha, fragmentos de metal, a planta porogun (dracaena fragrans), a presa do elefante ou sua cauda. Aceita em sacrifício aves, tartaruga, carneiro, obi, orobô, cará, óleo de palmeira e, preferivelmente, cachorros. Sua bebida favorita é o vinho de palmeira.
Xangô 19, senhor dos raios, relâmpagos e trovões
Sango oluaso akata yeriyeri
Olukoso, eegun ti n yona lenu
Sango Oluaso, o dragão faiscante
Olukoso, a divindade que lança fogo pela boca.
Xangô, o quarto rei (Alafin) de Oyo, pertencia a uma família temida e respeitada. Governava a cidade de Eyeo (Katunga). Filho de Oranyan, o poderoso guerreiro, por sua vez, filho de Odudua, teve muitas esposas, entre as quais Oyá, Oxum e Obá. Destemido, poderoso e grande conhecedor de magia, gostava de exibir seu poder, por exemplo, lançando labaredas de fogo pela boca, ao falar. De índole irascível, seu procedimento o levou a perder o respeito de seus conselheiros e do povo em geral.
Tendo causado desentendimento entre dois de seus conselheiros estimulou a discórdia gerada, provocando uma briga que culminaria na morte de um deles. Esse fato repercutiu e ele tornou-se odiado por seus súditos. Não podendo suportar tal situação, fugiu da cidade de Oyo, sem destino. Andava a esmo acompanhado apenas por Oyá, Oxum e Obá, pois seus mensageiros, entre os quais, Osunare, Dada, Oru e Timi, já o tinham abandonado. Ao chegar ao limite da cidade, antes de deixar Oyo, voltou-se para trás e viu que apenas Oyá o acompanhava. Sua tristeza aumentou e, sem saber o que fazer, aproximou-se de uma árvore chamada ayan, plantada à beira da estrada e ali se enforcou. Esse lugar viria a ser chamado Koso (não se enforcou). Após sua morte, Oyá caminhou rumo à cidade de Irá e no caminho transformou-se no rio que ficaria conhecido como rio Oyá (odo Oya).
Quando a notícia de que o rei se enforcara chegou à cidade, o povo clamava: "Oba so! Oba so!" - O rei se enforcou! O rei se enforcou! Isto provocou irritação nos amigos que haviam permanecido fiéis ao rei. Porém, estes constituíam minoria, sem poder de revide. Dirigiram-se então à cidade de Ibariba, aprenderam artes de magia e voltaram para vingar o nome do amigo. Capazes agora, de provocar fogo espontâneo, começaram a incendiar as casas dos ofensores. A situação se agravava quando ao fogo associavam-se vendavais, aumentando o número de casas destruídas. Atemorizados e desejando apaziguar o furor de Xangô, os cidadãos de Oyo mudaram a expressão Oba so - O rei se enforcou, para Oba Koso - O rei não se enforcou.
Xangô tornou-se orixá em Oyo e seu culto espalhou-se rapidamente pela terra dos iorubás, vindo ele a ser um dos orixás mais cultuados. Considerado não apenas feroz, mas também generoso, provedor de filhos, dinheiro, curas e, especialmente, justiça, abomina falsidades, mentiras, roubo e envenenamento.
Há uma grande quantidade de mitos nos quais Xangô figura como personagem principal. Alguns apresentam muita semelhança com estes aqui apresentados e outros, muitas diferenças. Um deles, por exemplo, o apresenta como filho de Iemanjá, conforme o oriki: Omo olomi ti nje Iyemoja, Filho da mãe d'água que se chama Iemanjá. É geral, entretanto, sua identificação com Jakuta - aquele que briga com pedras - a primitiva divindade dos raios, relâmpagos e trovões.
Somente os -Baba-mogba, sacerdotes de Xangô ou as Iya-Sango, suas sacerdotisas, podem responsabilizar-se pelos ritos fúnebres realizados para as vítimas de raio. As punições de Xangô são consideradas nobres e as mortes por raio não devem ser lamentadas. Sendo a casa atingida por um raio, seus moradores se afastam dela temporariamente, cedendo lugar aos Baba-mogba para que ali realizem os rituais necessários.
Os devotos de Xangô usam colares de contas vermelhas e brancas e seu sacerdote, que geralmente não corta o cabelo, trança-o como as mulheres. Seus santuários, espalhados por toda a terra dos iorubás, consistem numa estaca de três pontas, em cuja forquilha fica uma gamela contendo machados comuns e de pedra, chamados edun ara (pedra de raio), considerados os instrumentos de punição. Xangô aceita em sacrifício, búzios, cabras, carneiros, touros e aves. O povo lhe pede paz, vida longa, bem-estar material, prosperidade e proteção contra o perigo de males ocultos.
Divindades femininas
Oyá, Iemanjá, Oxum, Obá, Nanã Buruku (Omolu)
Oyá20, senhora dos ventos e tempestades
Oya Oriri
Oyá tão linda
que não se pode tirar os olhos de cima dela
Ekun ti nje ewe ata
Leopardo fêmea que come pimenta crua

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