IWÀ PÈLÈ
O corpo literário de Ifá é uma importante fonte de
informações sobre o sistema de crença e valores Yorubas. Como porta voz de
outras divindades, Ifá é depositário de todos os mitos e dogmas morais das
outras divindades. O Povo Yoruba crê que Òrúnmìlá estava presente quando
Olódùmarè(Deus todo poderoso) criou o céu e a terra. Portanto, Ifá conhece a
história do céu e da terra e domina as leis físicas e morais com as quais
Olódùmarè governa o universo. Por isso Òrúnmìlá é tido como sábio
conselheiro, historiador e tutor da sabedoria divina. Por isso, entre seus nomes
de honra está:
Akónilóran bí ìyekan
eni,
Ogbón ile
ayé,
Òpìtàn ilè ifè[1]
Aquele que ensina alguém com sabedoria, como se fosse
de sua família
A sabedoria da Terra,
O historiador da terra de Ifè[2]
Os importantes conceitos filosóficos personificados
no corpo literário de Ifá incluem o conceito de Orí (cabeça espiritual ou
interior), ebo (sacrifício) e Ìwàpèlè (bom caráter).
Esses três conceitos são muito relacionados e complementares entre si. Orí é a essência da sorte e a mais importante
força responsável pelo sucesso ou fracasso humano. Além disso, Orí é a divindade
pessoal que governa a vida e se comunica, em prol do indivíduo, com as demais
divindades. Qualquer coisa que não tenha sido sancionada pelo Orí de uma pessoa,
não pode ser aprovado pelas divindades. Isso que quer dizer a declaração
encontrada em Ògúndá Méjì:
Orí, pèlé,
Atèténíran;
Atètègbenikòòsà
Kò sóòsa tíí dá ‘ níí gbè léyìn orí
eni[3]
(Orí, o saúdo
Você que sempre abençoa rapidamente os
seus
Você, que abençoa o homem antes de qualquer
òrìsá,
Nenhum òrìsá abençoa uma pessoa sem o consentimento
de seu Orí)
Ebo (sacrifício) é uma
forma de comunicação simbólica e ritual entre todas as forças do universo. Os
yoruba acreditam que, além do próprio homem, existem duas grandes forças em
oposição no universo, uma benevolente em relação aos seres humanos e outra
hostil. As forças benevolentes são, coletivamente, conhecidas como ìbo
(as divindades), e as malevolentes são conhecidas como ajogun[4]
(guerreiros opositores ao homem). As àjé (as bruxas) estão também em
aliança com os ajogun para a destruição do homem e de sua obra. Os humanos
necessitam oferecer sacrifício às duas forças para sobreviver. O Homem necessita
oferecer sacrifício às forças benéficas para continuar gozando de seu apoio e
bênçãos. Necessita também oferecer sacrifício aos ajogun e às àjé com o
objetivo de não encontrar sua oposição quando estiver prestes a realizar algum
projeto importante.
A divindade que age como mediador entre as três
partes mencionadas acima é Èsù, que partilha um pouco dos atributos das
forças benéficas e maléficas. É o policial do universo. Além disso, é imparcial,
uma vez que só irá dar apoio ao homem ou divindade que tenha feito sacrifício.
Isso é o que quer dizer a afirmação: eni ó rúbo l Èsùú gbè. Uma vez
recebido o sacrifício prescrito, ele proibirá os ajogun de prejudicar o
suplicante. Èsù é o guardião do àse, semelhante à autoridade e o
poder divino com os quais Olódùmarè
criou o universo. Èsù é, consequentemente, o verdadeiro administrador do
universo, o princípio da ordem e da harmonia e agente da reconciliação. Sua
esposa, Agbèrù, recebe todos os sacrifícios em seu nome. Após tirar sua parte de
aárùún (cinco búzios) e um pouco de todos os outros materiais oferecidos em
sacrifício. Èsù leva as oferendas para as divindades ou os ajogun
envolvidos. O efeito , normalmente, a restauração da paz e a reconciliação entre
as partes conflituosas.
Um questão emerge imediatamente quando analisamos o
que foi dito até agora. Qual o papel reservado aos seres humanos no universo
Yorubá, onde o indivíduo não pode agir de forma independente de seu Orí e está à
mercê de dois poderosos conjuntos de forças sobrenaturais aos quais ele deve
oferecer sacrifícios incessantemente para poder sobreviver. O indivíduo
realmente importa em tal sistema? É aí que o conceito de Ìwàpèlè
entra. Juntamente com um conjunto de princípios menores como àyà e
esè, o princípio de Ìwàpèlè, em certo grau, liberta
o homem dessa estrutura de universo autoritária e hierárquica e, de qualquer forma, provém a ele com um
conjunto de princípios com os quais regular sua vida, com o intuito de evitar
colisões com os poderes sobrenaturais e com seus companheiros humanos. Segue-se
uma pequena descrição e interpretação do princípio de Ìwà relacionado com os as
crenças dos Yorubas já citadas acima.
A palavra Ìwà é formada a partir da raiz verbal wà
(ser ou existir) adicionada do prefixo deverbativo “i”. O sentido original de
Ìwà pode, então, ser interpretado como “o fato de ser, viver ou existir”. Assim,
quando Ifá fala de
Ire owó
Ire omo
Ire àikú parí ìwà,[5]
O significado de ìwà nesse contexto é exatamente o
referido acima.
Tenho a impressão de que o outro significado de ìwà
(caráter, comportamento moral) é originário da utilização idiomática deste
sentido léxico original. Se este for o caso, ìwà (caráter) é, portanto, a
essência de ser. O ìwà de um ser humano pode ser usado para caracterizar sua
vida, especialmente em termos éticos.
Além disso, a palavra ìwà (caráter) pode ser usada
para se referir a ambos, bom e mau caráter. Para exemplificar de forma
declarativa, alguém poderia dizer:
Ìwà okùnrin náà kò dára
O caráter do homem não é bom.
Ìwà okurin náàá dára
O caráter do homem é bom.
Mas, às vezes, a palavra ìwà pode ser usada para se
referir unicamente ao bom caráter.
Obìnrin náàá ní ìwà
A mulher tem bom caráter.
Pode-se dizer também:
1- Ìwà pele
(caráter bom, ou manso)
2- Ìwà búburú (mau caráter)
Este estudo é sobre Ìwà pele, que pode ser traduzido
como caráter manso, gentil, ou, em um sentido amplo, bom
caráter.
Como mencionado acima, ìwà é tido como um dos muitos
objetivos da existência humana para o
Yorubá. Todo indivíduo deve empenhar-se para ter ìwà pele, com o objetivo se ser
capaz de ter uma boa vida num sistema dominado por muitos poderes sobrenaturais
e numa sociedade controlada pela hierarquia nas autoridades. O homem que possui
ìwàpele não colidirá com nenhum dos poderes, sejam humanos ou sobrenaturais e,
desta forma, viver em completa harmonia com as forcas que governam tal
universo.
É por isso que o Yoruba tem ìwàpele como o mais
importante de todos os valores morais e o maior de todos os atributos de
qualquer homem. A essência da prática da religião para o Yoruba consiste, assim,
em empenhar-se em cultivar Ìwàpèlè. Isso é o que quer dizer o
ditado:
Ìwà Lèsin
(Ìwà é um outro nome para a devoção
religiosa)
No corpo literário de Ifá, ìwà é representada por uma
mulher. Ogbè Alárá, um dos Odù Ifá menores diz que Ìwà era uma mulher de máxima
beleza com a qual Òrúnmìlá se casou, após ela já ter se separado de
diversas outras divindades. Apesar de sua beleza, Ìwà não tinha um bom comportamento. Ela tinha
péssimos hábitos e uma língua incontrolável. Além disso, ela era preguiçosa que
sempre fugia de suas responsabilidades.
Após eles estarem casados há algum tempo,
Òrúnmìlá já não podia mais tolerar seus maus costumes. Assim, ele a
mandou embora. Porém, quase imediatamente após ela sair de casa, ele se deu
conta de que mal não poderia viver sem ela. Ele perdeu o respeito de seus
vizinhos e foi desprezado por sua comunidade. Além disso, todos os seus clientes o abandonaram e a prática da
divinação não gerava mais lucros. Faltava-lhe dinheiro para gastar, roupas para
vestir e outros utensílios necessários para que vivesse uma vida boa e
nobre.
Òrúnmìlá, então colocou sua
roupa de Egúngún e saiu em busca de Ìwà. Ele visitou as casas dos dezesseis mais
importantes chefes do culto à Ifá porém não encontrou sua esposa. Ele permaneceu
do lado de fora da casa de cada um dos chefes e cantou a seguinte
canção:
Sabedoria da mente, sacerdote de Ifá da casa de
Alárá
Consultou Ifá para Alárá,
Apelidado de Ejì Òsá,
Descendente daqueles que usam bastões de ferro para
fazer trinta gongos.
Grande compreensão, sacerdote de Ifá de
Ajerò
Consultou Ifá para Ajerò,
Descendente do homem valente que se recusa
completamente a entrar em uma briga.
Onde você viu Ìwà, me diga
Ìwà, Ìwà, é a você que estou
buscando.
Se você tem dinheiro,
Mas não tem um bom caráter,
O dinheiro pertence a outra
pessoa.
Ìwà, Ìwà, é a você que estamos
buscando.
Se alguém tem filhos,
Mas lhe falta com caráter,
Seus filhos pertencem a outra
pessoa.
Ìwà, Ìwà, é a você que estamos
buscando.
Se alguém possui uma casa
Mas lhe falta bom caráter,
Sua casa pertence a outra pessoa.
Ìwà, Ìwà, é a você que estamos
buscando.
Se alguém tem roupas,
Mas lhe falta bom caráter
Suas roupas pertencem a outra
pessoa.
Ìwà, Ìwà, é a você que estamos
buscando.
Todas as boas coisas da vida, que um homem
tiver,
Se lhe falta bom caráter,
Pertencem a outra pessoa.
Ìwà, Ìwà, é a você que estamos buscando[6].
Após uma longa busca, Òrúnmìlá encontrou Ìwà
na casa de Olójo que havia desposado ela novamente. Quando chegou à casa de
Olójo, ele cantou a mesma cantiga e Olójo veio para o lado de fora para o
encontrar. Òrúnmìlá disse a ele que estava em busca de Ìwà, sua esposa,
que o havia abandonado. Olójo se recusou a devolve-la para Òrúnmìlá e uma
disputa seguiu-se, na qual Òrúnmìlá atingiu Olójo com a pata de uma cabra
com a qual havia feito sacrifício antes de sair de casa. O impacto jogou Olójo a
muitas milhas de distância. Òrúnmìlá,
então, pegou sua esposa de volta, em paz. A história sobre ìwà contada acima é importante por diversas
razões. Em primeiro lugar, é digno de nota que o símbolo de bom caráter seja uma
mulher. No folclore Yorùbá, a mulher representa os dois lados opostos do
envolvimento emocional. As mulheres são símbolo do amor, cuidado, devoção,
suavidade e beleza. Ao mesmo tempo são, especialmente as bruxas, símbolo da
maldade, do endurecimento, desfaçatez e deslealdade. Uma vez que ìwà é um
atributo que pode ser tanto mau como bom(conforme explicado acima) somente as
mulheres, às quais os Yorùbá já atribuem tal visão moral estereotipada, podem
ser usadas como símbolo de ìwà. Usando tal símbolo, o que Ifá quer que
entendamos é que todo indivíduo deve tomar cuidado com seu caráter como toma
conta de sua esposa. Assim como uma esposa pode ser um fardo para seu marido, um
bom caráter pode ser um fardo para o justo e fiel, porém estes nunca devem se
esquivar de sua responsabilidade. As mulheres podem ser tidas como bruxas e
mentirosas, porém o Yorùbá sabe que sem elas a sociedade humana não pode
sobreviver. Da mesma forma, o bom caráter pode ser difícil de se possuir como
atributo, porém se ninguém o tivesse, o mundo seria um lugar muito difícil de se
viver.
Em segundo lugar, é importante notar também que a
própria Ìwà, é uma mulher que lhe falta um bom caráter e que se permite péssimos
hábitos. Isso significa que um homem que aspire ter bom caráter deve estar
preparado para suportar aquilo que os Yorùbá chamam de ègbin( coisa suja
ou indecente). O homem que aspire ter bom caráter deve saber que algumas vezes
se encontrará em situações desagradáveis, as quais ofenderam seu senso de
dignidade e de decência. Ainda assim ele não deve se afastar do caminho do bom
caráter sob pena de perder a própria essência e o valor da
vida.
O verso de Ifá citado acima compara ìwà com outras
coisas valiosas que o homem também aspira conquistar – dinheiro, filhos, casas e
roupas. Ifá posiciona ìwà acima de todas essas coisas de valor. Um homem que
possua todas essas coisas mas que não tem ìwà, as perderá rapidamente,
provavelmente, para outro que tenha ìwà e que sabia cuidar de tudo isso. Ìwà é,
portanto, o mais valioso bem entre tudo aquilo que é valioso no sistema de
valores Yorùbá.
Outro verso de Ifá sobre ìwà, citado pelo Sr.
Modupe Alade, em sua moradia, no Egbé Ijinlè Yorùbá
(Sociedade Cultural Yorùbá ), Lagos, em 31 de agosto de 1967 e publicado na
revista de cultura Yorùbá, Olókun[7], nº8, de agosto de 1969, se diferencia em alguns
detalhes signficantes do visto anteriormente. O seguinte é extraído desse
poema:
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá[8] e batermos com ele numa cabaça,
Vamos saudar Ìwà
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá e batermos com
ele numa cabaça,
Vamos saudar Ìwà
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá e batermos com
ele numa pedra,
Vamos saudar Ìwà
Ifá foi consultado para Orunmilá,
Quando nosso pai ia se casar com
Ìwà.
Primeira vez que Òrúnmìlá casava com uma
mulher,
Ìwà foi com quem ele casou,
Ìwà mesma
Era filha de Sùúrù (paciência).
Quando Òrúnmìlá propôs casamento a
Ìwà,
Ela disse que estava de acordo.
Ela disse que se casaria com ele.
Mas que havia uma coisa que ele deveria
observar.
Ninguém deveria mandá-la embora de seu lar
nupcial.
Mas ela não deveria ser usada de forma descuidada,
como alguém usa a água da chuva.
Ninguém deveria puni-la
desnecessariamente...
Òrúnmìlá exclamou: Deus não
permita que eu faça tal coisa.
Ele disse que cuidaria dela.
Disse que a trataria com amor,
E que a trataria com gentileza.
Então, ele casou com Ìwà.
Após um longo tempo,
Ele se tornou infeliz com ela..
Então começou a perturbar Ìwà.
Se ela fizesse uma coisa,
Ele reclamava que ela havia feito de forma
errada.
Se ela fizesse outra coisa,
Ele também reclamaria.
Quando Ìwà percebeu que aquilo era demais para
ela,
Disse: Tudo bem.
Voltou para a casa de seu pai.
Seu pai era o primogênito de
Olódùmarè.
Seu nome era Sùúrù, o pai de Ìwà.
Ela, então, reuniu seus utensílios de
cabaça,
E partiu para sua casa.
Ela foi para o òrun.
Quando Òrúnmìlá retornou,
disse:
Saudações ao povo de dentro de
casa.
Saudações ao povo de dentro de
casa.
Saudações ao povo de dentro de
casa.
Porém Ìwà não apareceu.
Nosso pai então perguntou por
Ìwà.
Os outros habitantes da casa disseram que não a
viram.
“Onde ela foi?
Foi ao mercado?
Ela foi a algum lugar?”
Ele perguntou isso durante muito tempo, até
que
Juntou dois búzios com três,
E foi para a casa de um sacerdote de
Ifá.
Disseram a ele que ela havia
fugido.
Ele foi aconselhado a ir e encontrá-la no lar de
Alárá.
Quando ele chegou a casa de Alárá,
disse:
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá e
batermos com ele numa cabaça,
É Ìwà que buscamos.
Vamos saudar Ìwà.
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá e
batermos com ele numa cabaça,
É Ìwà que buscamos.
Vamos saudar Ìwà.
Se pegarmos um objeto de madeira rágbá e
batermos com ele numa pedra,
É Ìwà que buscamos.
Vamos saudar Ìwà.
Alárá, você viu Ìwà, diga-me?
É Ìwà que buscamos.
Ìwà.
Alárá disse que não havia visto
Ìwà.
Nosso pai foi, então, para a casa de Òràngún, rei da
cidade de Ilá
Descendente de um pássaro com muitas
penas.
Ele perguntou se Òràngún tinha visto
Ìwà.
Mas Òràngún disse que não tinha
visto.
Mal haviam outros lugares onde
procurar.
Após muito tempo,
Ele voltou,
E indagou a seus instrumentos
divinatórios.
Ele disse que procurou por Ìwà na casa de
Alárá.
Ele a procurou na casa de Ajerò,
Ele a procurou na casa de
Óràngún.
Ele a procurou na residência de Ògbérè, sacerdote de
Ifá de Olówu,
Ele a procurou na residência de Àséégbá,
sacerdote de Ifá de Ègbá.
Ele a procurou na residência de Àtàkúmòsà,
sacerdote de Ifá de Ìjèsà.
Ele a procurou na residência de Òsépurútù,
sacerdote de Ifá de Rémo
Mas ele disseram que Ìwà tinha ido para o
òrun.
Ele disse que iria lá e a traria de
volta.
Eles disseram: tudo bem,
Providenciaram para que ele realizasse
sacrifício.
Disseram a ele que oferecesse uma
rede,
E desse mel a Èsù.
Ele ofereceu o mel em sacrifício a
Èsù.
Quando Èsù provou o mel,
Disse: O que é isso que é tão
doce?
Òrúnmìlá
então, entrou em sua roupa de Egúngún,
E foi para o céu.
E começou a cantar novamente.
Èsù fez um jogo de
desfaçatez,
E foi para onde Ìwà estava.
Ele disse: um certo homem chegou no
céu,
Se você ouvir sua canção,
Ele diz tais e tais coisas...
É você que ele está procurando...
Ìwà então partiu (de seu
esconderijo),
E foi os encontrar no local onde
cantavam.
Òrúnmìlá
estava em sua roupa Egúngún.
Ele viu Ìwà através da rede da roupa.
Ele a abraçou.
Aqueles que transformam a má sorte em boa, então,
abriram a roupa.
Ìwà, porque você se portou de tal
maneira?
Me deixou na Terra e foi embora.
Ìwà disse: É verdade.
Ela disse que foi por causa da forma que ele a
maltratou
Que ela fugiu.
Para que ela tivesse paz em sua
mente.
Òrúnmìlá
então implorou para, por favor,
Que ela tivesse paciência com
ele.
E voltasse com ele.
Mas Ìwà se recusou,
Mas disse: Tudo bem
Ela ainda podia fazer alguma
coisa.
Ela disse: Você, Òrúnmìlá,
Volte para a Terra
Quando você chegar lá,
Todas as coisas que eu disse que você não
fizesse,
Não tente fazer.
Comporte-se muito bem.
Comporte-se com bom caráter.
Cuide de sua esposa,
E cuide de seus filhos.
De hoje em diante, você não colocará mais os olhos em
Ìwà.
Mas eu estarei com você.
Mas, o quer que você faça para
mim,
Irá determinar quão ordenada será sua
vida.
O verso de Ifá relatado acima confirma o anterior em
alguns aspectos. Em ambos Ìwà é uma mulher e foi esposa de Òrúnmìlá. Além
disso, em ambas histórias, Òrúnmìlá teve que ir procurar por Ìwà depois
que ela o deixou. A canção que Òrúnmìlá cantou em ambos os poemas,
enquanto buscava Ìwà é, em certo grau, similar. Apesar disso tudo, os poemas são
diferentes. O segundo poema diz que Ìwà é
filha Sùrùú (Paciência) que foi o primogênito de Olódùmarè. Esse detalhe
fundamental falta ao primeiro poema e portanto é necessário
ressaltá-lo.
O segundo
poema liga Ìwà com Paciência e também com o próprio Deus. O significado disso é
que o homem, para obter o bom caráter, deve em primeiro lugar, ter paciência. É
por isso que temos o ditado:
Sùrùú ni baba ìwà (Paciência é o pai do bom caráter).
De todos os atributos que um homem com bom caráter deve ter[9], paciência é o mais importante se todos porque a
pessoa que é paciente terá tempo para meditar sobre as coisas e sempre chegar a
justas e honestas conclusões. Devemos, então, ser paciente com as pessoas e
aprender a ser tolerantes para podermos ter bom caráter. Se Òrúnmìlá
tivesse aprendido a ser paciente, ele não teria perdido sua esposa,
Ìwà.
O segundo poema liga Ìwà com Olódùmarè, que, na
história, é seu avô. O significado disso é muito claro. Significa que Olódùmarè
é a personificação do bom caráter. Ele, então, espera que os seres humanos
também tenham bom caráter. É um pecado contra a divina lei de Olódùmarè que
qualquer um se desvie do caminho do bom caráter. A pessoa que faça isso será
punida pelas divindades a menos que ofereça sacrifício, o qual mostrará que se
arrependeu e restaurará a paz e a harmonia na desgastada relação que seu desvio
cria entre a pessoa e as forças sobrenaturais. Isso, então, é a razão pela qual
o Yorùbá tem o bom caráter como a essência da religião.
O corpo literário de Ifá pode, então, ser tomado como
um conjunto de poemas míticos e históricos que nos oferece, através do uso da
analogia, imagens e símbolos o que fazer no intuito de estar em paz com Deus, as
forças sobrenaturais, nossos vizinhos e, em verdade, consigo mesmo. Todos esses
preceitos e advertências podem ser reduzidos a um pensamento: Atenha-se
fortemente ao cultivo do bom caráter para que sua vida seja
boa.
O conceito Yorùbá de existência transcende o tempo do
indivíduo na Terra. Vai além de sua época e inclui as memórias que o homem deixa
após sua morte. Portanto, é fundamental ser um homem de bom caráter para que
deixe boas lembranças quando se for. Numa sociedade que eleva os mortos a
condição de ancestrais e que armazena homenagens a eles em sua arte verbal, a
única recompensa durável para o homem de bom caráter reside nos poemas, nas
máscaras e nas cerimônias anuais que serão feitas em sua homenagem após
morte.
A importância posta, pelos Yorùbá, no princípio de ìwà mostra que as religiões
tradicionais africanas são baseadas em profundos valores morais que sustentam as
crenças inerentes a essas religiões.
Freqüentemente, ouvimos dos seguidores ignorantes do
Cristianismo e do Islã, que as religiões tradicionais africanas não são baseadas
em nenhum valor ético. Nada pode ser mais distante da
verdade.
O princípio de ìwà mostra que as religiões
tradicionais africanas são baseadas em profundas e significativas idéias filosóficas.
[1] Esse poema foi coletado do Chefe
Fádáyìíró, Olúwo de Akéètàn, Òyó durante o mês de agosto,
1963
[2] A terra de Ifè aqui citada,
significa o conjunto das terras Yorùbá.
[3] Wande Abímbolá, Ìjìnlè
Ohùn Enu Ifá Apá Kìíní, Collins Glasgow, 1968, p 100
[4] Entre os ajogun estão incluídos
Morte, Doença, Perda e outras coisas terríveis que afetam o andamento da vida
humana.
[5]De uma não publicada coleção de
gravações de diversos sacerdotes de Ifá, incluindo Oyedele Isòlá,
Beesin Compound, Òyó.
[6]Coletado de Oyedele Isòlá,
Beesin Compound, Òyó, dezembro, 1973
[7] Parte do artigo original do Sr.
Alade é escrito em prosa, mas apresentei em sua forma de poema. Fiz ligeiras
modificações em sua ortografia.
[8] Rágbá, nome de uma planta freqüentemente usada para
preparações herbais.
[9] Os outros atributos incluem
òtìtó (verdade), inúrere (mente tranqüila com os demais),
ikonimóra(atitude calorosa para com os demais), Ífé (amor),
ìbòwòfágbà (respeito aos mais velhos), etc.
POR: Wande Abimbola
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